quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

pequenos presentes. grandes presentes.

Todos os dias a caminho da escola com o pequeno Rafael, nós passamos pela porta da igreja do Ingá. Um dia, meses atrás, um senhor estava sentado num pequeno degrau da igreja. Saudou o habitual - e para todos - sorriso do Rafael com um “OBA!”. Rafael adorou e a cena se repete sempre quando se encontram.

Com o tempo ele virou o “amigo da igreja”. E soubemos que ele era um dos desabrigados da tragédia do Morro do Bumba.

Em algumas ocasiões a Grace, que tem a sensibilidade que me falta nestas coisas, separava ou providenciava algumas lembranças para o "amigo da igreja". Na páscoa ou no aniversário de Rafael, um chocolate ou um pedaço de bolo de aniversário, sempre lembrava de enviar algo para ele - e claro, me cobrava a entrega. Rafael adora dar presentes e fica sempre contente quando o faz.

Nestes dias natalinos foi ela de novo fazer mais um carinho: uma lembrança de natal. Ao recebê-lo dessa vez, o "amigo da igreja" logo perguntou: -"Ele vai passar aqui amanhã? Eu quero dar um presente pra ele!". Tranquilizei-o que passaríamos no dia seguinte.

Naquele dia, ao passarmos pela igreja e saudarmo-nos, o "amigo da igreja" disse que havia esquecido o presente mas que traria no dia seguinte. Rafael já não estaria mais em aulas mas disse a ela que passaria por lá como sempre, agora para ir ao trabalho.

Dia seguinte e ao passar pela igreja o "amigo da igreja" pergunta pelo Rafael com o presente na mão com uma indisfaçável frustração ao não vê-lo. Recebi o presente agradecido dando a garantia de repassá-lo ao meu filhinho.

O carinho que já sabia premeditado, foi produzindo aquela dorzinha boa no coração que lembra-nos que nestes momentos é que estamos realmente vivendo o intenso - mas tão reprimido - sentimento da vida, de estar vivendo realmente.

Durante o dia, a raiva que me impulsiona na pequena sobrevivência deu lugar aquela leveza que arrogantemente te coloca num nirvana de compreensão de valores na vida. Nas pessoas que queria bater, beije-as levemente como se quisesse repassar esse sim: presente.

E ao passar no dia seguinte pelo "amigo da igreja" ele veio até mim e perguntou: "- Ele gostou?". Minha resposta - não sei se ele entendeu sua amplitude - era mais um agradecimento meu do que pelo carinho com o Rafael:

"-Sim, muito obrigado. NÓS gostamos. Gostamos muito."



terça-feira, 18 de maio de 2010

Sonho bom.

Me senti bem quando acordei de madrugada. Estranho, mas bem. Me lembro de todos no sítio de Friburgo e todos sabíamos porque estávamos lá. Era a despedida do Liu. Seria a poucos dias/horas/momentos – o tempo, felizmente nos sonhos não é contado, não existe.


Foram imagens líricas, lindas e que bom que as tive (depois de acordado tentei gravar cada passagem).


Na soleira da varanda da Casa Grande, aquela de décadas atrás, ainda aberta, Liu estava sentado na soleira da porta (ele não falou nada durante o sonho). Eu e os primos falávamos sobre o sítio e sobre a despedida que estava por vir. Não estávamos tristes muito pelo contrário: todos estávamos bem tranqüilos e contentes. Depois olhei para um caramanchão onde ficava aquela antiga garagem....havia uma mesa e um banco. Liu estava deitado sobre ele, dormindo abraçado a um grande pastor alemão.


Ali perto da Casa Grande havia uma grande e linda mansão vitoriana...e ali estava marcado um casamento. Não conhecia os noivos mas estava encarregado de cuidar das luzes do grande salão onde seria a festa.


Já me vi neste grande salão com amplos candelabros e enquanto cuidava das lâmpadas e luzes senti algo (como um piscar das luzes) e logo depois fogos espocaram do lado de fora da mansão. Quando corri para fora, uma multidão corria em direção a mansão, todos arrumados para o casamento....alguns gritavam meu nome e diziam que estava atrasado...-"Já vai começar! Apronte-se!"


Naquele corrente de pessoas, a Grace me pega pela mão e ao girar já estava arrumado e correndo, puxado, pelo movimento da multidão...


Agora era parte daquela corrente de pessoas que entra pela mansão iluminada e logo pelo corredor dedicados aos noivos (que imaginei já haviam passado como o início daquela corrente). No caminho corrido, reconheço alguns rostos até que vejo ao lado do Raulf, minha mãe com Rafael no colo. Tenho tempo de pegá-lo e continuar a corrida até que no fim do corredor ....acordo.


Foi uma sensação bem estranha mas boa de uma presença que faz falta: meu amigo Liu. Até hoje lembro fisicamente, quero dizer em dores físicas, sua luta contra o câncer. Sempre jogou o jogo. Entre nosso último aperto de mão antes de entrar na sala da primeira cirurgia "Vou jogar pra ganhar!" e seu desfanecer na minha frente foi pouco mais de um ano.


Neste interim ele ainda foi no enterro do meu pai.


Está difícil de escrever agora. Vou continuar:


Foi num sábado...a notícia não foi fácil..."Teteira, você está sentado?" por telefone já mostrava que o que vinha era impossível. Um baque que só o que não é visível de mim sentiu (e sente). Meu pai na sua luta final do câncer dele e agora o Liu começando outra em que as estatísticas não ajudavam. Eu e ele sabíamos disso.


Lembro que a primeira coisa que fiz na segunda-feira foi comunicar (comunicar, não era um pedido) aos meus gerentes que não iria trabalhar na quarta-feira, dia da cirurgia tentativa de ressecação do tumor. Na terça fui dormir na casa dele de surpresa. Mais ou menos. Ele achava que eu iria. Conversamos bastante sobre o que viria (no dia seguinte uma operação de 12 horas) até que eu disse pra ele: "Cara, a diferença entre meu acidente e sua operação é que você está sendo avisado de suas chances, eu não. O que eu acho é que você está neste momento de decisão - viver ou morrer. Jogue o jogo ou não jogue."


Vou parar não estou me sentindo muito bem agora. Depois continuo.